A vitória de Trump - como a vitória do Brexit - são acontecimentos que, de acordo com a esquerda e os media que a sustentam, não deveriam ter acontecido.
Por isso é preciso encontrar explicações para o que se passou, perceber o que "correu mal".
Depois dos ataques velados aos eleitores "brancos" (poderemos considerá-los racistas, ou essa palavra só tem conteúdo quando é usada pela esquerda?) e dos ataques às populações rurais e não licenciadas (haverá aqui alguma ponta de elitismo e classismo?), os grandes educadores das massas dos nossos dias já encontraram o verdadeiro culpado: a Rússia.
Parece mentira, parece inconcebível, parece caricatural mas é mesmo verdade: grandes sectores da esquerda americana e até europeia pelos vistos acreditam e querem realmente fazer-nos crer que a Rússia e uma legião de hackers por ela controlados não apenas manipularam o eleitorado americano com "falsas notícias" como chegaram até às remotas máquinas de voto electrónico em condados perdidos dos Estados Unidos e alteraram o sentido de voto dos americanos.
É grotesco, parece saído das mais desacreditadas mentes conspirativas, mas é realmente aquilo em que muitos liberais acreditam. A Rússia é agora o seu papão, numa escala bem superior àquela em que consideravam a União Soviética uma ameaça no auge da guerra fria e perante o perigo real de conflagração nuclear.
O ridículo não tem limites.
E no entanto poucas são as vozes que encontramos no espaço público a denunciarem este absurdo. As razões para tal não são difíceis de compreender e chegaremos a elas, mas concentremo-nos por agora nas alegações que são feitas.
As "notícias falsas".
Muitos se indignaram nas últimas semanas contra as "notícias falsas" que pululam pela internet e sobretudo as redes sociais por estes dias. Até um cronista prestigiado como David Ignatius do "Washington Post" lhe dedicou um artigo por estes dias, ligando-as à Rússia e à sua "propaganda".
Vejamos: existem "notícias falsas" hoje, como existem há muito tempo. Na era da informação instantânea, a internet promove a difusão de falsidades do mesmo modo que promove as "indignações" sem substância ou mesmo calúnias que se propagam de forma "viral". Esse é um dos perigos da internet que tantos de nós identificaram há já muito tempo.
As "notícias falsas" vêm porém dos mais variados sectores e têm os mais diversos objectivos, desde a propaganda política a fins puramente comerciais. Tal como acontece com outros conteúdos, falsos ou não, desde as "cadeias de email" aos vídeos partilhados. A internet potencia todos esses fenómenos.
Pretender culpar a Rússia por algo que essencialmente é da natureza mesma da internet é um sofisma. O regime de Putin será certamente culpado de muita coisa mas sustentar que este orquestrou uma campanha de "falsas notícias" com o intuito de prejudicar Clinton e que tal campanha teria sido decisiva para a vitória de Trump, é fazer de todos nós (e não apenas dos eleitores) parvos.
O problema aqui é outro - e as vozes que se levantam contra as "falsas notícias" no fundo sabem-no bem.
O problema é que a esquerda de repente começa a sentir que o seu controlo dos media está a ser posto em causa por uma direita mais agressiva e que para ter voz recorre a meios alternativos - sobretudo a internet. Não tendo os meios bilionários de que dispõem as CNN's e afins (nos EUA a esquerda só não tem o monopólio completo dos media porque existe a Fox News), a direita recorre hoje cada vez mais à internet, verificando-se fenómenos de popularidade como o Breibart News (do agora anatematizado Steve Bannon).
Ora, habituada a controlar o fluxo da informação, a esquerda não gosta deste novo cenário que a vitória de Trump expôs em larga medida: como foi possível que apesar da cobertura negativa permanente, um fluxo ininterrupto de ataques e desqualificações dos media liberais ocidentais contra Trump, a população americana tivesse votado maciçamente neste homem? Onde estavam os apoiantes de Trump que não se faziam ouvir? Certamente não nos media tradicionais... Daí a caça às bruxas e os papões da Rússia e das notícias falsas.
A "preocupação" da esquerda com as "notícias falsas" é por isso algo contra o que precisamos de nos precaver e escudar: é apenas uma forma de tentar censurar a internet e basicamente silenciar toda a opinião que escape ao unanimismo que quase se verifica já nos media tradicionais. Nenhuma dose de "notícias falsas", supostamente criadas para beneficiar Trump (alegação que em si mesma parece configurar uma "notícia falsa"), seria suficiente para suplantar o fogo cerrado contra Trump que os media dispararam neste ciclo eleitoral norte-americano (e continuam a disparar).
Os "liberais" querem purgar a internet do que consideram "falsas notícias", actuando como Ministério da Verdade orweliano. Querem instituir uma censura à escala global, na qual lhes caberá sempre a última palavra sobre o que o público deve ou não ler ou ouvir. Cabe-nos resistir a uma tal iniquidade denunciando-a vigorosamente.
Os pedidos de recontagem dos votos
Uma candidata do partido dos verdes dos EUA que obteve pouco mais de 1% dos votos decidiu pedir a recontagem dos boletins em 3 Estados: Michigan, Wisconsin e Pensilvânia.
É difícil seleccionar onde colocamos o ênfase aqui: se no facto da candidata ter tido 1% e portanto ser irrelevante eleitoralmente e não ter qualquer interesse pessoal na recontagem; se no facto dos 3 Estados seleccionados serem estados onde Trump ganhou (existindo outros onde Clinton venceu por margens menores); se ainda no facto de que apenas uma completa reversão dos resultados nos 3 Estados poderia alterar o desfecho final.
E no entanto, a campanha de Clinton - que antes das eleições se indignou com a possibilidade de Trump não reconhecer imediatamente os resultados ("isso equivaleria a minar a democracia americana", "não é assim que fazemos as coisas na América") - já declarou que participará na recontagem... Isto apesar de não existirem relatos de fraudes ou irregularidades e das margens pelas quais Trump ganhou, apesar de escassas, excederem os limites abaixo dos quais as recontagens são obrigatórias.
Trata-se de uma história mal contada e que leva a questionar o que estará aqui verdadeiramente em causa.
Como se sabe, paralelamente a estas petições estão a ser feitas pressões e ameaças a vários membros do colégio eleitoral para que defraudem o sentido de voto dos eleitores dos respectivos Estados e votem antes em Hillary Clinton. Caso se conseguissem combinar a reversão dos resultados em pelo menos dois dos três Estados (e não tenhamos dúvidas de que o tentarão fazer, sempre com argumentos de "transparência" e "integridade" do voto mas na realidade não olhando a meios para tentar subverter a contagem feita e os resultados já certificados) e adicionalmente se conseguisse mudar o sentido de voto de alguns eleitores do colégio, Clinton poderia ainda chegar à Casa Branca.
Realisticamente estes esforços não têm possibilidades de sucesso mas o que está aqui em causa - e este é o corolário também da preocupação com as "falsas notícias" e as alegações de "mão russa" nas eleições - é minar desde o início a presidência de Trump, fragilizar o seu mandato e a sua autoridade e apresentá-lo como um Presidente ilegítimo. Afinal de contas algo de contrário à "ordem natural das coisas", a ordem liberal, multicultural, relativista e globalista, aconteceu no mais poderoso e influente país do mundo.
Ninguém sabe o que será uma presidência de Trump e o que nos reservam os próximos 4 anos, mas há um resultado deste ciclo eleitoral que é valioso: a histeria colectiva da esquerda e a espiral paranóica em que a mesma entrou com a vitória de Trump tornaram visíveis as suas tendências totalitárias e as suas intenções quanto a quem não concorda com o seu modelo "inclusivo" e "tolerante": o silenciamento, a difamação e o opróbio social.