sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A herança desgraçada de Obama

Esperança e mudança - as promessas


Obama apresentou-se em 2008 como o candidato da mudança e da esperança, fazendo milhões acreditar numa quase messiânica era de paz no mundo. A felicidade parecia ao virar da esquina.

Obama prometeu um sistema de saúde para todos os americanos, terminar a guerra no Iraque, resolver os problemas internacionais pelo diálogo, encerrar Guantanamo nos primeiros 100 dias de presidência, unir os EUA e  promover entendimentos bipartidários.

O mundo congratulava-se com a eleição do primeiro presidente negro e a Academia de Oslo agraciou-o com o Nobel da Paz.

O (pesado) legado de Bush


O 11 de setembro inaugurou uma nova era de terrorismo global e apocalíptico. O ataque gerou uma onda mundial de solidariedade com os americanos e uma ampla coligação interveio no Afeganistão, desalojando o regime talibã apoiante de Bin Laden. A intervenção no Iraque alienou porém esse apoio internacional e criou enorme tensão internacional. Após a invasão o Iraque rapidamente entrou em estado de sítio, vítima de atentados diários e em acentuada fragmentação. O pior só não se verificou porque em 2007 o aumento do número de tropas americanas conseguiu conter a violência sectária e a ameaça terrorista.
Para além disso houve as questões da tortura e da comprovada falsidade ou mesmo falsificação das "provas" acerca das armas de destruição maciça no Iraque.
No fim do mandato de Bush, a sua popularidade estava em mínimos históricos e o prestígio dos EUA estava fortemente abalado.

As políticas de Obama


Obama manteve-se fiel à ideia de terminar a operação e retirar as tropas do Iraque. Procurou promover a restauração de boas relações com vários países, nomeadamente europeus, tendo sido recebido em vários países como um herói.

Também prestou atenção ao mundo árabe, com visitas emblemáticas à Arábia Saudita e ao Cairo. Nesta capital Obama fez um discurso "histórico".

Em relação à Rússia, Obama tentou apaziguar a relação bilateral (no tempo de George Bush ao a Rússia tinha invadido a Geórgia, ocupando a Ossétia do Sul e a Abcásia em agosto de 2008). Clinton, então Secretária de Estado, produziu a monumental gaffe de entregar ao seu homólogo russo um interruptor que simbolizaria o recomeço das relações bilaterais, supostamente com a legenda "reset" ("recomeço") em russo. O problema é que os tradutores do Departamento de Estado se enganaram e em vez de "reset" escreveram "sobrecarga". Era difícil começar pior, ao demonstrar tamanha incúria.

O encerramento de Guantanamo por outro lado ia sendo adiado, por complicações legais, de segurança e a oposição e obstruções colocadas pelo Congresso.

No plano interno, um ambicioso programa de injecção de dinheiro na economia produzia resultados modestos em termos de crescimento mas a medida mais emblemática (o "Obamacare") ia ganhando forma, acabando por ser aprovado no Senado na véspera de Natal de 2009 e assinado pelo Presidente em março de 2010.

Com o passar do tempo Obama adoptou políticas progressivamente mais liberais (no sentido americano da palavra), nomeadamente no plano cultural ou civilizacional. 

A carta fora do baralho ou o génio saído da lâmpada


Após anúncios prematuros de uma nova era de Paz perpétua inaugurada por Obama, um acontecimento na Tunísia espoletou um turbilhão de caos e violência que se prolonga até hoje com consequências imprevisíveis. A Primavera Árabe gerou vários conflitos e guerras civis mas sobretudo tirou dois génios malignos para fora da lâmpada: a guerra da Síria e o ISIS.

A herança Obama


Internamente as políticas de Obama apresentam resultados misto. Se na economia há indicadores que parecem positivos, é inegável que os EUA são hoje um país mais dividido. 

Parte da divisão assenta em tensões raciais, as maiores em décadas.  A "era pós-racial" é afinal uma era muito mais polarizada e que enfatiza permanentemente o elemento racial. O que é espantoso, atendendo às promessas de Obama de unidade e conciliação . 

No plano externo, Obama presidiu à execução de Bin Laden.

Mas este sucesso é bastante ofuscado pelo aparecimento do ISIS que assumiu o controlo de várias porções de território no Médio Oriente, nomeadamente no Iraque, onde talvez a retirada americana de cena tenha sido precipitada, deixando um vazio de poder. Também no Afeganistão os talibãs ameaçam novamente tomar partes do país.

E se é verdade que não houve nos EUA atentados terroristas de larga escala com envolvimento internacional, não deixaram de se verificar diversos ataques que provocaram centenas de vítimas (Fort Hood, Boston, San Bernardino e Orlando, entre outros).

Os resultados de Obama no Médio Oriente são desastrosos. O processo de paz está parado há anos sem qualquer avanço ou entendimento entre as partes. Como se isto não bastasse, Obama decidiu atacar Israel nas últimas semanas de mandato, promovendo uma condenação hipócrita, injusta e completamente deslocada na ONU. A relação com Israel - e os judeus em geral - atingiu o seu ponto mais baixo.

Na Síria Obama perdeu em toda a linha, deu o dito por não dito, não conseguiu derrubar Al Assad (objectivo em si mesmo mais que discutível)  e viu a Rússia assumir o controlo da situação.

A Líbia é hoje um estado falhado. Obama e Clinton fizeram naquele país o que Bush fizera no Iraque (a doutrina neo-conservadora das mudanças de regime), com resultados parecidos - desastrosos.

Obama alcançou um acordo nuclear com o Irão que atrasa mas não impede os iranianos de produzir a bomba atómica. Parece-me que o Irão, que viu levantadas as sanções e recebeu ainda generosos fundos, levou claramente a melhor neste acordo.

No extremo oriente a China tem continuado a sua política agressiva de reclamar soberania em todo o Mar do Sul da China e militarizar ilhas disputadas, forçando os países vizinhos a conformarem-se à sua ordem regional. Só os EUA podem colocar em cheque estas pretensões chinesas. Não o fizeram de forma clara nos anos anteriores e não o fizeram durante o mandato de Obama.

Numa altura em que muçulmanos assassinam de forma bárbara inocentes todos os dias em todo o mundo (apesar dos milhões gastos pelos países ocidentais em prevenção, policiamento e serviços secretos), condenar Israel, uma das principais vítimas do terrorismo, é um acto irresponsável e absurdo que no entanto espelha bem as convicções de Obama.

Nas últimas semanas Obama está a mostrar quem é realmente, deixando transparecer as suas convicções ideológicas profundas. Antes de sair da Casa Branca, Obama, despeitado pelos resultados eleitorais, está a tentar condicionar o seu sucessor de uma forma nunca vista no passado. Obama que sempre foi fraco com os verdadeiramente maus, como os terroristas muçulmanos que sempre desculpou de uma ou de outra forma (nem sequer referia a expressão), é agora extremamente firme contra Israel e a Rússia.

Ao contrário de tudo o que se pintou, Obama é uma pessoa pequenina, mesquinha, guiada por uma ideologia falha e pelo seu próprio ego. Um pouco ao estilo dos líderes africanos. Ora em política, sobretudo externa, os móbeis da acção têm que ser estratégicos, não ideológicos e muito menos pessoais.

Obama já vai tarde. Esperemos apenas que não cause ainda mais danos na estabilidade internacional nas semanas que lhe restam. A sua deriva ideológica tem sido cada vez maior e mais irresponsável. Esperemos que os últimos dias não tragam mais surpresas desagradáveis.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Esquerda defende censura e guerra

As ondas de choque da derrota de Clinton ainda se fazem sentir.
A desilusão da derrota, quando a vitória já tinha sido anunciada e o fogo de artifício teve que ser recolhido, fez vir à tona os instintos mais básicos de muitos "democratas".

Primeiro foram as manifestações. Muitos argumentaram que as manifestações eram legítimas no quadro da liberdade de expressão. Mas este argumento é dissimulado, para não dizer desonesto. As eleições são a expressão da vontade do povo (ou da vontade dos Estados num sistema de colégio eleitoral, como é o caso dos EUA). Fazer demonstrações de força nas ruas contra o resultado de eleições livres é contrário o espírito da própria democracia. Aliás isso ficou bem patente quando as manifestações rapidamente degeneraram em violência.

Depois foram as recontagens: sem qualquer base factual, uma candidata que objectivamente foi irrelevante nestas eleições veio lançar suspeitas e reclamar recontagens em três Estados, com o único propósito de beliscar a vitória clara de Trump. 

Depois foram as "falsas notícias": supostamente o povo teria sido influenciado no seu sentido de voto por "falsas notícias". Estas seriam também uma ameaça à democracia e à própria segurança dos cidadãos. 

É engraçado que as "ameaças à democracia" variam no seu conteúdo, com uma única constante: nunca vêm da esquerda. Isto é curioso porque quando Trump não se comprometeu a aceitar uma eventual derrota eleitoral (dizendo que teria que olhar para os resultados e que só se estes fossem claros é que concederia a derrota de imediato), Clinton e os média acusaram-no de um "atentado contra a democracia", de um desrespeito pela tradição e pelo funcionamento do sistema americano. Mas quando Trump venceu com resultados claríssimos (uma maioria de 306 eleitores, quando necessitava apenas de 270), a ameaça à democracia deixa de ser não reconhecer os resultados (as manifestações, os pedidos de recontagem, tudo é legítimo) mas passa a incidir nas "falsas notícias" e... nos russos.

Ainda sobre as falsas notícias, é de notar o desejo - já nem disfarçado - de censurar a net. Por aí se vê a duplicidade dos esquerdistas. Aqui já não se coloca a questão da liberdade de expressão... O Facebook (que já aderira na China à política de censura imposta pelo Partido Comunista) já anunciou que irá cumprir com as directrizes da esquerda e que começará a recorrer a organizações parciais e conotadas com a esquerda para fazer a triagem do que é verdadeiro e falso. 

A última e talvez mais irresponsável das tentativas da esquerda para subverter o resultado das eleições é a de acusar os russos de terem sequestrado as instituições democráticas americanas para beneficiar Trump. Esta acusação é de uma irresponsabilidade e de um ridículo sem limites. Primeiro porque, como Putin ironizou, os EUA  não são, que se saiba, uma república das bananas na qual as instituições estejam à mercê de manipulação por poderes estrangeiros. Segundo porque acusar um país importante como a Rússia de um acto hostil, fazendo uso de uma retórica inflamatória nunca seria aconselhável, ainda que existissem provas conclusivas - que não existem - que a Rússia realmente é responsável por um acto de intrusão cibernética. 

Não existem quaisquer provas de que os emails divulgados pelo Wikileaks tenham sido fornecidos pela Rússia a esta organização. Assange nega-o. E é apenas a propósito da divulgação de emails (emails de membros da campanha de Clinton) que todo este barulho está a ser feito. 

A acusação de "influenciar as eleições" é tanto mais patética quanto quase todos os líderes europeus tentaram abertamente influenciar as eleições americanas, manifestando repúdio por Donald Trump. 

Mas as coisas assumem realmente uma gravidade extrema quando, levados por esta espiral paranóica, alguns democratas começam a fazer declarações inflamatórias e a sugerir que os EUA deveriam retaliar contra a Rússia. Keith Olberman, um furioso democrata cujas tiradas demagógicas e extremistas levaram a que até a MSNBC achasse demasiado e o demitisse, declarou há dias num canal do youtube que os EUA estão em guerra com a Rússia. 

A Rússia, tal como a China, são potências em relação às quais é necessário medir bem os passos antes de os dar. Tanto Bush como Obama perceberam que uma confrontação directa com a Rússia era impensável e evitaram-na, ainda que tenham tido que recuar. Retórica que compromete os EUA com posições agressivas em relação à Rússia só pode ter duas consequências: uma guerra global e possivelmente nuclear ou um recuo humilhante dos EUA. Os russos devem ser mantidos em cheque e não lhes deve ser permitido trespassar as linhas geoestratégicas ocidentais. Mas não se deve tentar encurralar e atacar directamente a Rússia. Putin e o povo russo não deixariam de responder.