quarta-feira, 28 de junho de 2017

O complexo militar-industrial

Quais são as razões pelas quais presidentes e governos americanos passam mas as políticas belicistas continuam fundamentalmente as mesmas?

Por que razão se a invasão do Iraque foi um erro (como todos concordam) e a doutrina neoconservadora de mudança de regime se revelou um desastre, Obama (um dos seus maiores críticos) voltou a fazer o mesmo na Líbia?

Porque está o actual governo aparentemente a preparar-se para fazer o mesmo, quando Trump disse na campanha (e bem) que os EUA não tinham que estar envolvidos na guerra na Síria, até porque não era claro quem era quem?

Porque estão todos os democratas e a imprensa a impulsionar esta narrativa acerca da Rússia há meses a fio, promovendo o aumento da tensão e conflitualidade?

Será possível estarem a criar-se condições para uma escalada que leve a uma guerra internacional com a Rússia?

Tudo isto é muito estranho e não é suficientemente discutido por jornalistas e comentadores que, acreditando ser contra-poder mais não fazem do que servir de peões e caixas de ressonância de uma agenda internacional cujas motivações permanecem ocultas.

A situação na Síria é muito delicada. De um lado temos um presidente que manteve o país estável durante muitos anos e alcançou um nível de prosperidade e estabilidade muito significativos (especialmente para a região) mas que agora é parte do problema. Talvez tenha usado métodos brutais na repressão das forças inimigas (que muitos dizem ter sido em grande parte forças invasoras), castigando demasiado os civis. 

O problema é que do outro lado temos os terroristas de praticamente todas as organizações jihadistas sunitas conhecidas. Haverá também oposição "moderada" pelo meio, mas essa será rapidamente silenciada na eventualidade do colapso de Al Assad. Ou seja, temos o espectro e a ameaça do caos caso os rebeldes vencessem a guerra. Uma nova Líbia.

Com a entrada da Rússia na guerra, o regime começou a ter vitórias cada vez mais decisivas. No entanto surgiu a estória, verdadeira ou fabricada, do uso de armas químicas e tudo se voltou a alterar. Os EUA começaram a interferir com as manobras da Rússia/Al Assad e gerou-se novo pico de tensão.

Os EUA ameaçam agora aparentemente atacar a Síria caso armas químicas voltem a ser usadas, o que alegadamente estaria em preparação.

Tudo isto soa muito estranho e faz lembrar certas manobras de desinformação e contra-inteligência, que foram usadas por Hitler para desencadear a II Guerra Mundial. 

E onde está a UE no meio disto?

A promover também a "causa" dos rebeldes sírios e a acusar constantemente a Rússia de todo o tipo de interferência.

A situação é muito perigosa pelo que é fundamental que as populações ocidentais estejam atentas a todas estas manobras. Manobras que acabam sempre por se reflectir no seu bem estar e segurança. Afinal de contas a crise dos refugiados foi causada pelas políticas belicistas da UE e dos EUA tanto na Líbia quanto na Síria. Graças a ela muitas cidades europeias já foram sangradas pelos terroristas e, por muito que se diga o contrário, vivem em permanente medo. 

Não contentes, os políticos ocidentais (e os EUA de Trump parecem prontos a liderar esta nova operação) parecem querer levar as coisas ainda mais longe e promover um conflito aberto com a Rússia a pretexto da Síria. 

Estranhos e perigosos tempos. 

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Tempos orwellianos

A manipulação na política é tão antiga quanto as cidades. A escala em que ela começou a ser usada tem porém vindo sempre a aumentar exponencialmente, também como resultado do crescimento demográfico. 

Primeiro a invenção da imprensa permitiu atingir públicos mais vastos. Depois o iluminismo produziu uma doutrina acerca do uso da propaganda e outros meios mais subtis de manipulação das populações. A revolução industrial gerou as ideologias e delas emanaram os regimes totalitários. Nestes a propaganda é usada de forma deliberada, como um instrumento de poder, visando especificamente a defesa do regime e a adesão e controlo das massas.

Com a derrota dos regimes nazi e do comunista não existiam à partida razões para a propaganda: a democracia liberal e o liberalismo económico tinham vencido a guerra mundial militar e ideologicamente. 

A propaganda parecia assim relegada para um plano secundário, usada sobretudo pelas grandes multinacionais para vender os seus produtos ao público. 

No entanto os media de massas são demasiado poderosos para não serem instrumentalizados. E de facto rapidamente o foram.

A manipulação começou certamente antes (há a questão da falsificação dos relatos sobre armas de destruição maciça e a falta de escrutínio da imprensa) mas é com Obama que ela atinge patamares diferentes. Por razões que não vale a pena esmiuçar, Obama foi apoiado quase unanimemente pelos media, de forma completamente aberta e declarada. A coisa foi assumida: muitos jornalistas consideravam e declaravam publicamente que era sua obrigação contribuir para a eleição de Obama. Ora isto é completamente contrário às obrigações e aos deveres deontológicos do jornalismo, nomeadamente os deveres de independência e isenção. Pelo contrário nessa altura os média comportaram-se como agentes políticos e partidários.

No entanto neste momento as coisas subiram um novo grau, um grau muito perigoso. Neste momento os media já não se limitam a ser um pouco mais favoráveis a um político ou partido face a outro: neste momento fabricam notícias falsas, omitem factos e mentem deliberadamente ao público na prossecução do seu objectivo político.

Isto é muito perigoso. Todos compreendemos que os media e as agências noticiosas em geral são compostas por homens, os quais não são isentos de paixões e idiossincrasias. Nessa medida a isenção absoluta é uma impossibilidade. Mas se começamos a perceber que o móbil da acção jornalística já não é a informação e a busca da verdade dos factos mas sim a prossecução de agendas; se começamos a perceber que os jornalistas não são agentes tendencialmente neutros mas agentes políticos que não hesitam em distorcer, omitir, manipular e criar artificialmente narrativas para promover aquilo que acham ser os valores "correctos"; então entramos numa nova fase na qual deixamos de poder acreditar seja no que fôr e deixamos de ter um referencial comum. Nessa fase deixa de haver verdade e deixa de haver diálogo.

Vivemos perigosos tempos orwellianos, na qual uma construção artificial ameaça sobrepor-se à realidade, com o objectivo de manipular as consciências das populações. Como disse noutro momento, a tirania pode estar ao virar da esquina, assim como a guerra.













sexta-feira, 16 de junho de 2017

Sobre a histeria com a Rússia

A Rússia prossegue os seus interesses e a sua agenda, tal como a China, a Índia e outros grandes atores globais. Nalguns pontos essa agenda pode ser coincidente com a Europa e os EUA, noutros será de natureza divergente e competitiva.

É seguro que a Rússia utilizará meios não convencionais, meios dissimulados e meios clandestinos para recolher informação e consequentemente reforçar o seu poder. Os EUA fazem-no, a China fá-lo e alguns países da UE também o fazem - isto para já nem falar de países como o Irão ou o Paquistão onde os serviços de informações conduzem operações de larga escala e são agentes fundamentais de política externa.
Nessa medida, a Rússia poderá estar envolvida em acções de hacking no Ocidente e nos EUA em particular. Isso não apenas não me custa nada a acreditar como me parece provável. 

Mas tudo isto é sabido e nada disto é novo. A Rússia "interfere" com os EUA e os seus negócios internos, nomeadamente na frente cibernética, tal como a China. Os próprios EUA o fazem, inclusivamente relativamente a países aliados (vidé o escândalo das escutas realizadas pelos serviços de informações dos EUA a líderes europeus durante o mandato de Obama). 

Uma coisa muito diferente é dizer que a Rússia "interferiu" nas eleições americanas. A acusação é tão vaga como inverificável. Será o "wikileaks" um instrumento de propaganda russa? Não me parece, do mesmo modo que não acredito que Snowden fosse um agente a soldo dos russos. O "wikileaks" denunciou o conluio entre os media e Hillary Clinton, para além da questão do arquivo privado e ilegal que esta mantinha de emails confidenciais. É natural que Clinton não tenha gostado, mas culpar os russos é mais fácil do que assumir as suas faltas.

A investigação sobre as ligações de Trump à Rússia é nesta medida uma manobra de diversão que visa confundir o público. Ninguém no seu perfeito juízo acreditará que Trump é um agente dos russos ou que Jeff Sessions, um senador conservador com 25 anos de Congresso estaria a trabalhar com eles secretamente para subverter a democracia americana. 

Para muitos que odeiam Trump esta "investigação" (que dura há mais de 10 meses e até agora não produziu uma sombra de prova fosse do que fosse) é no entanto bem vinda porque é uma forma de atacar o presidente dos EUA, minando (ainda mais) a sua legitimidade. Outros, ainda mais calculistas e considerando que a agenda de Trump é desastrosa para os EUA e o mundo, percebem que o ruído criado poderá ter o efeito de atrasar ou impedir que aquela agenda venha a ser aplicada como Trump ameaça fazer. (Este será talvez o único político na história a ser acusado de estar realmente a cumprir as suas promessas, apesar de toda a oposição e bloqueios que enfrenta).

Nesta medida, a aparente mudança de foco da investigação (de conluio com os russos - que se está a provar ser uma fantasia - para "obstrução à justiça"; como se pode obstruir uma investigação que não tem substância é algo que gostaria de perceber) visa apenas manter viva uma narrativa que os media e alguns opositores de Trump dentro do próprio governo, com as suas fugas selectivas de informação, têm alimentado nos últimos meses. O objectivo não é o apuramento da verdade mas o desgaste de um presidente eleito democraticamente. 

A questão aqui é a seguinte: já se provou que este ambiente não é são. O ataque de quarta-feira é, na sua forma e método, semelhante a um ataque terrorista. O objectivo era eliminar o maior número possível de congressistas republicanos. O perpetrador era alguém que claramente se deixou radicalizar por uma retórica extremista repetida à saciedade nos media americanos (e não só). As instâncias de violências nas ruas americanas têm-se multiplicado. A questão é pois, completando, esta: considerarão os arquitectos desta campanha que vale a pena continuar a extremar posições, a promover a insurreição e a violência para destituir Trump? Será esse um preço que vale a pena pagar?

Alguns acharão que sim, que estarão a precaver um louco de levar a cabo os seus planos e que estarão a evitar uma terceira guerra mundial. Nesse cenário, qualquer método, incluindo a propaganda e a mentira é legítimo para evitar um mal maior.

A questão é porém mais complexa do que isso. Quem está efectivamente a promover uma retórica crescente contra o país com o maior arsenal nuclear do mundo, exceptuando os EUA, não é Trump. Quem está a promover e incitar uma maior conflitualidade contra os russos, falando em retaliações e actos de guerra em relação à suposta "interferência" não é Trump. Quem tem procurado usar a Síria para escalar um conflito contra a Rússia não é Trump. As alegações de que é Trump que quer começar um novo conflito global parecem portanto pouco realistas, senão pouco honestas. Acresce que um novo conflito a uma escala global poderá ser um conflito diferente, mais do tipo insurreccional, mais do tipo guerra urbana de baixa intensidade, algo que também é bastante claro que não deve ser imputado a Trump mas sim àqueles que acham que uma eleição democrática deve ser revertida através da insurreição das ruas e da violência.

Uma nota final. A Rússia só poderia desejar que Trump ganhasse as eleições se achasse que este era um líder mais fraco do que Clinton, que deixaria os EUA numa posição mais fragilizada no mundo e que portanto deixasse mais espaço à Rússia para projetar a sua influência. Seguramente que a Rússia não apoiaria Trump por este ser mais "simpático" com Putin. Nessa medida, ao fragilizar constantemente o seu Presidente, os media americanos e os seus opositores políticos, estão paradoxalmente a contribuir para tornar reais as intenções que atribuem a Putin e à Rússia. Ou seja, os EUA - e não apenas o seu presidente - estão a sair mais fracos de todo este processo: o país está mais dividido e as instituições políticas (para além dos media) estão a enfrentar uma crise de credibilidade.

Se Putin realmente desejava abalar os EUA, deve estar agora muito contente, a assistir a este triste espectáculo sentado na sua poltrona. Para desestabilizar os EUA nem precisa de empregar gente sua. Americanos em posições de relevo na administração e media, sob o pretexto de estarem a desmascarar agentes russos infiltrados, estão a contribuir para a desestabilização permanente do sistema socio-político norte-americano. 

Se tudo isto é obra de uma maquinação de Putin, a CNN, o NYT e o WP são os seus agentes.