A Rússia prossegue os seus interesses e a sua agenda, tal como a China, a Índia e outros grandes atores globais. Nalguns pontos essa agenda pode ser coincidente com a Europa e os EUA, noutros será de natureza divergente e competitiva.
É seguro que a Rússia utilizará meios não convencionais, meios dissimulados e meios clandestinos para recolher informação e consequentemente reforçar o seu poder. Os EUA fazem-no, a China fá-lo e alguns países da UE também o fazem - isto para já nem falar de países como o Irão ou o Paquistão onde os serviços de informações conduzem operações de larga escala e são agentes fundamentais de política externa.
Nessa medida, a Rússia poderá estar envolvida em acções de hacking no Ocidente e nos EUA em particular. Isso não apenas não me custa nada a acreditar como me parece provável.
Mas tudo isto é sabido e nada disto é novo. A Rússia "interfere" com os EUA e os seus negócios internos, nomeadamente na frente cibernética, tal como a China. Os próprios EUA o fazem, inclusivamente relativamente a países aliados (vidé o escândalo das escutas realizadas pelos serviços de informações dos EUA a líderes europeus durante o mandato de Obama).
Uma coisa muito diferente é dizer que a Rússia "interferiu" nas eleições americanas. A acusação é tão vaga como inverificável. Será o "wikileaks" um instrumento de propaganda russa? Não me parece, do mesmo modo que não acredito que Snowden fosse um agente a soldo dos russos. O "wikileaks" denunciou o conluio entre os media e Hillary Clinton, para além da questão do arquivo privado e ilegal que esta mantinha de emails confidenciais. É natural que Clinton não tenha gostado, mas culpar os russos é mais fácil do que assumir as suas faltas.
A investigação sobre as ligações de Trump à Rússia é nesta medida uma manobra de diversão que visa confundir o público. Ninguém no seu perfeito juízo acreditará que Trump é um agente dos russos ou que Jeff Sessions, um senador conservador com 25 anos de Congresso estaria a trabalhar com eles secretamente para subverter a democracia americana.
Para muitos que odeiam Trump esta "investigação" (que dura há mais de 10 meses e até agora não produziu uma sombra de prova fosse do que fosse) é no entanto bem vinda porque é uma forma de atacar o presidente dos EUA, minando (ainda mais) a sua legitimidade. Outros, ainda mais calculistas e considerando que a agenda de Trump é desastrosa para os EUA e o mundo, percebem que o ruído criado poderá ter o efeito de atrasar ou impedir que aquela agenda venha a ser aplicada como Trump ameaça fazer. (Este será talvez o único político na história a ser acusado de estar realmente a cumprir as suas promessas, apesar de toda a oposição e bloqueios que enfrenta).
Nesta medida, a aparente mudança de foco da investigação (de conluio com os russos - que se está a provar ser uma fantasia - para "obstrução à justiça"; como se pode obstruir uma investigação que não tem substância é algo que gostaria de perceber) visa apenas manter viva uma narrativa que os media e alguns opositores de Trump dentro do próprio governo, com as suas fugas selectivas de informação, têm alimentado nos últimos meses. O objectivo não é o apuramento da verdade mas o desgaste de um presidente eleito democraticamente.
A questão aqui é a seguinte: já se provou que este ambiente não é são. O ataque de quarta-feira é, na sua forma e método, semelhante a um ataque terrorista. O objectivo era eliminar o maior número possível de congressistas republicanos. O perpetrador era alguém que claramente se deixou radicalizar por uma retórica extremista repetida à saciedade nos media americanos (e não só). As instâncias de violências nas ruas americanas têm-se multiplicado. A questão é pois, completando, esta: considerarão os arquitectos desta campanha que vale a pena continuar a extremar posições, a promover a insurreição e a violência para destituir Trump? Será esse um preço que vale a pena pagar?
Alguns acharão que sim, que estarão a precaver um louco de levar a cabo os seus planos e que estarão a evitar uma terceira guerra mundial. Nesse cenário, qualquer método, incluindo a propaganda e a mentira é legítimo para evitar um mal maior.
A questão é porém mais complexa do que isso. Quem está efectivamente a promover uma retórica crescente contra o país com o maior arsenal nuclear do mundo, exceptuando os EUA, não é Trump. Quem está a promover e incitar uma maior conflitualidade contra os russos, falando em retaliações e actos de guerra em relação à suposta "interferência" não é Trump. Quem tem procurado usar a Síria para escalar um conflito contra a Rússia não é Trump. As alegações de que é Trump que quer começar um novo conflito global parecem portanto pouco realistas, senão pouco honestas. Acresce que um novo conflito a uma escala global poderá ser um conflito diferente, mais do tipo insurreccional, mais do tipo guerra urbana de baixa intensidade, algo que também é bastante claro que não deve ser imputado a Trump mas sim àqueles que acham que uma eleição democrática deve ser revertida através da insurreição das ruas e da violência.
Uma nota final. A Rússia só poderia desejar que Trump ganhasse as eleições se achasse que este era um líder mais fraco do que Clinton, que deixaria os EUA numa posição mais fragilizada no mundo e que portanto deixasse mais espaço à Rússia para projetar a sua influência. Seguramente que a Rússia não apoiaria Trump por este ser mais "simpático" com Putin. Nessa medida, ao fragilizar constantemente o seu Presidente, os media americanos e os seus opositores políticos, estão paradoxalmente a contribuir para tornar reais as intenções que atribuem a Putin e à Rússia. Ou seja, os EUA - e não apenas o seu presidente - estão a sair mais fracos de todo este processo: o país está mais dividido e as instituições políticas (para além dos media) estão a enfrentar uma crise de credibilidade.
Se Putin realmente desejava abalar os EUA, deve estar agora muito contente, a assistir a este triste espectáculo sentado na sua poltrona. Para desestabilizar os EUA nem precisa de empregar gente sua. Americanos em posições de relevo na administração e media, sob o pretexto de estarem a desmascarar agentes russos infiltrados, estão a contribuir para a desestabilização permanente do sistema socio-político norte-americano.
Se tudo isto é obra de uma maquinação de Putin, a CNN, o NYT e o WP são os seus agentes.
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