A política está reduzida a uma gestão do dia a dia, o que nem é necessariamente mau, dado que as ideologias (religiões políticas) são ruinosas. Foram causa de catástrofes horrendas no século XX e de tremendos e trágicos actos terroristas de matriz islâmica, para além de guerras no Iraque e na Síria, no primeiro quartel do século XXI.
Dito isto, algumas ideias mobilizadoras seria o mínimo que se podia esperar, mas nem isso temos. Portugal é um país estagnado, onde de um lado se acena ainda com mais Estado e do outro simplesmente se promete que se fará melhor (o que não parece particularmente difícil).
Não recuando demasiado no tempo, Salazar tinha uma visão para o país. Uma visão que estava já fora do tempo que se vivia (especialmente após o fim da segunda guerra e o movimento de descolonização) mas que tinha coerência interna e uma convicção profunda na sua defesa. Para além disso, Salazar compreendia as dinâmicas do mundo e era pragmático na sua abordagem. Atesta-o o facto de Portugal ser membro fundador da NATO, da OCDE e da EFTA, ou seja Salazar integrou o país na arquitectura internacional de cooperação, embora fosse mais desconfiado em relação à integração política.
Depois Mário Soares teve uma visão para Portugal: um país moderno, "liberto" de África e virado para a Europa. Era uma visão que chocava bastante com a história de Portugal que desde muito cedo viu na dimensão atlântica o seu valor acrescentado e forma de escapar a um domínio a um poder centrípeto de Castela; mas era uma visão clara e tão convicta como a do Estado Novo. Portugal absorveu o choque da perda do império, modernizou a sua administração e aderiu à CEE, tudo sem grandes sobressaltos.
Tivemos depois Cavaco Silva que defendeu um país empreendedor, trabalhador e cumpridor e alcançou, com a ajuda de fundos europeus importantes, o maior crescimento económico em democracia, além de ter sido responsável por várias obras públicas de grande dimensão (Ponte Vasco da Gama, CCB, autoestradas, etc).
Guterres prometeu razão e coração mas não deixou herança que se visse, e Sócrates, para além dos casos de corrupção, dos projectos faraónicos, das trapalhadas e da falência, teve pelo menos a visão de apoiar as renováveis e continuar a desenvolver (porventura em excesso) a infraestrutura do país, nomeadamente redes viárias. Da governação de Costa não sei o que fica mas nota-se um aumento brutal da população imigrante, muitos em péssimas condições. Essa tem sido uma das mensagens fortes do Chega que poderá ter um enorme crescimento nestas eleições.
A insatisfação com o estado do país, os baixos salários, os casos de corrupção, a criminalidade (que no papel é baixa mas na prática é muito visível) é canalizada em grande medida para o Chega que propõe soluções radicais para mudar o estado de coisas. É duvidoso que muitas das medidas sejam realistas e que outras tantas sejam eficazes, mas o eleitorado parece reconhecer o Chega sobretudo pela sua capacidade de identificar os problemas e mudar.
As ideias de mudança e esperança são fundamentais em política. Os políticos de hoje parecem pouco capazes de inspirar os eleitores em relação a qualquer uma delas. Pedro Nuno Santos é o homem que fez o que fez com a TAP e por isso foi demitido de ministro. Incapaz como ministro quer agora ser promovido a primeiro ministro, aparentemente para continuar o programa socialista de aumentar os encargos do Estado e tornar a economia cada vez mais dependente dele. Montenegro pouco se percebe do que fará e acima de tudo do que fará de diferente. Parece também muito preso ao politicamente correcto. Ventura é o que se vê: demagogo mas com capacidade de identificar problemas e prometendo mudança.
Tudo dito e pesado, provavelmente chegaremos ao fim da noite eleitoral sem que nenhum partido/coligação seja capaz de formar uma maioria estável. Montenegro já disse que não governaria com o apoio do Chega pelo que a única possibilidade (que neste momento não parece muito provável) seria alcançar uma maioria parlamentar com os deputados da Iniciativa Liberal. Já o PS governaria de bom grado com o apoio de todos os partidos da esquerda mas também parece pouco provável que esse bloco forme uma maioria parlamentar. Arriscamo-nos assim a ter uma eleição inútil que apenas arrastará mais algum tempo a situação de indefinição e vazio político que o país atravessa. E a culpa não será de ninguém, aliás será, necessariamente, do outro.